16 de outubro de 2011

Outono

Outono das folhas que se remexem no chão
Que o vento enxuta e cospe, revira e marca
Das nuvens carregadas, do relâmpago e  trovão
Da chuva que molha, abençoa e me embarca
Do sol que foge por entre farrapos de algodão
Do calor que foge por entre a luz que se aparta
Dos amores que definham no meu coração.

Venha a pedra que sorri morta em luz de vazio
Tão completa no seu vácuo e impune em dor
Isolada e imaculada, tão orgulhosa do seu torpor
Rolada e violada no leito do um qualquer rio,
Preenche-me por favor.

9 de outubro de 2011

Sonho


Escorrem os meus dedos no teu cabelo
Suave, tão suave que me eriça o pelo
A minha mão na tua pele, macia como o ar
Os teus olhos que não evitam o fechar
A tua boca que se solta em descontracção
O teu ofegar que mimetiza respiração.
Entrelaçamo-nos em carícias...

Se a roupa cai no chão com um baque surdo
E as mãos fogem num sussurro mudo
Não pedem desculpas pelo absurdo
Que é a base de sustentação de tudo
Bebo o teu pescoço com vontade
E pressiono os teus lábios com a verdade.
Alimentamo-nos em delícias...

O sofá balouça como as ondas do mar
Soçobra sem no entanto quebrar
A tua boca alimenta-me o vício
És tu, sem sombra ou resquício
Como te desço com a mão, és caminho
Forma ou percurso de carinho.
O teu corpo é  prova de perícia...

Encerras os olhos, e murmuras baixinho
Quero-te amor, quero-te aqui sozinho
E perdemo-nos a tempo de viver
Perdemo-nos no tempo de querer
O desejo que me impulsiona alado
Empurra-me descompassado.
O teu olhar não tem malícia...

E tudo é um sonho para não acordar
Porque não há felicidade sem a imaginar
O despertador toca, a manhã está-se a levantar...
O mundo acorda estremunhado sem querer
A luz do sol faz-me estremecer
Foi tudo um sonho que sonhei sem querer.

Yep I did, and I am...

8 de outubro de 2011

Simples anagrama

Monto uma realidade fugidia que me preocupa
Alteras-me, violentas-me, usas me como okupa
Revolta-me o facto de saber que no fundo
Trucidas-me assim como quem não quer nada
Absolvo-te por não saberes de mim, de ti e do mundo
Matas-me com essa cara despreocupada
Prolífica em algo que me sabe a nada.

6 de outubro de 2011

Gosto de te escrever

Gosto de te escrever, como gostei antes
de escrever outras noutros instantes
Que, na altura, relevantes
Soçobram agora na campa das amantes.
Ser não sei se o saber sei se sou
Se um todo sou ou chegaremos a ser
Porque se para o ser não saberei se acabou
Talvez nunca tenha chegado a começar
É forçosamente críptico este escrever
Tão quanto, na realidade, o é comunicar.
Vivo dentro de mim realidades assim assim
Nos entremeios, interstícios e entretantos
A ninguém diz respeito, diz-me a mim
Soluços de consci~encia, nobres mantos
Mapeamento de rede cerebral, enfim e tal
Sinapses quimicas, se as sinto, sinto-me mal
É curiosa a indefinição da realidade sobrante
Se não sou, és tu, nunca somos um nós
Repentes, momentos clandestinos de rompante
Nunca batucamos a uma só voz
Parafernália musical, descompassada e infernal
Somos sons distintos num compasso orquestral
Haja maestro, haja condutor
Haja vontade para haver um amor
(não há?)

5 de outubro de 2011

Tu

Na insinuação de desvio, a perda de algo essencial
Aquilo que renego, não é para mim especial
E se pareço zangado, é porque não consigo conceber
Primazias sobre ti, que pretendes impor
Quando nada se assemelha, nem impera perder
A amizade que temos para manter.
Mas um algo que se assemelha a amor
Confuso e inapto como todo ao nascer,
E que me punge, carrasco, em culpas extenuantes
Massacra-me sem querer,
Num querer de sabedorias conflituantes.

Poemas da Boca para as Pês

3 de outubro de 2011

Verborreia...

Ser o não ser e sei que sei que não sou e o sermos não é mais do que uma ocorrência, que paralela com o que acabou não revela verdade alguma. É, pois críptica a cripta da língua que lambe as feridas que ainda não abri, mas que desejo, e de desejo em ensejo se abrem muitas.
Não entendam isto como queixa, pois queixume só vem de quem não disto gosta, e eu, como se pode provar através da sucessão de eventos anteriores, pareço gostar. 
É, pois, assim  que me encontro, reencontrado no mesmo sítio que pareço nunca ter abandonado.
Abrem-se as cortinas, venha o actor, o guionista e todo o monólogo lambido,  que este pedaço de saliva e de verborreia se alinha para mais um grande espectáculo.
Levanta-se o público, cerram-se as cortinas, o aplauso aplaudido ressoa e é sentido, as gentes gostam e o actor sai em vénias para gáudio geral. Não se viram até então episódios mais áureos em qualquer outro teatro ou agremiação nesta nação.

23 de setembro de 2011